21 April 2007

A realidade e a mecânica quântica

A mecânica quântica é uma das teorias mais bem sucedidas e estranhas de todos os tempos. Descoberta e desenvolvida por físicos renomados, como Heisenberg, Schrödinger, Bohr e Einstein, ela apresenta características peculiares e difíceis de serem aceitas por contrariarem nossa experiência cotidiana. Alguns efeitos típicos da mecânica quântica foram discutidos num post anterior.

Um aspecto importante da mecânica quântica é o fato de ela ser probabilística. Isto significa que ela não prediz a obtenção uma medida com certeza absoluta. Ao invés disto, ela simplesmente fornece a probabilidade de obter uma determinada medida. Isto nos leva a uma estranha situação onde a medida de uma certa grandeza em dois sistemas idênticos pode fornecer respostas diferentes. É natural, portanto, levantar a questão da existência de uma realidade mais profunda, escondida por baixo da mecânica quântica, e que seria completamente determinística. Se esta teoria mais fundamental de fato existir, então a mecânica quântica, por definição, deve ser uma descrição incompleta da realidade.

Uma teoria assim concebida é conhecida como uma teoria das variáveis ocultas. A descrição incompleta da mecânica quântica seria devida ao fato de não termos levado em consideração todas a variáveis que descrevem o sistema. Em 1935, Einstein, Podolsky e Rosen escreveram um trabalho intitulado "Can quantum-mechanical description of physical reality be considered complete?" onde argumentam que tal teoria é não somente possível, mas de fato necessária, oferecendo o paradoxo EPR como prova disso. A maior parte dos físicos acredita, porém, que não há uma realidade mais profunda na mecânica quântica. Porém, como em qualquer outro ramo da ciência, o único modo de decidir entre ambas é através da experiência.

As teorias das variáveis ocultas usualmente adotam duas hipóteses importantes. Uma delas é o realismo, isto é, a realidade existe mesmo quando não a observamos. A segunda é a localidade, ou seja, uma partícula não pode influenciar outra instantaneamente. Baseado nestas hipóteses, John Bell demonstrou em 1964 o agora famoso Teorema de Bell, que fornece uma distinção absoluta entre a mecânica quântica e as teorias das variáveis ocultas. Na verdade, Bell apresenta uma classe de desigualdades que as teorias das variáveis ocultas devem satisfazer. A violação dessas desigualdades indicaria que a mecânica quântica fornece uma descrição completa da natureza.

O primeiro teste das desigualdades de Bell aconteceu em 1972 e deu pleno suporte para a mecânica quântica. Desde então, muitos outros testes foram realizados, com resultados sempre favoráveis à mecânica quântica. As desigualdades foram testadas inclusive num acelerador de partículas.

Entretanto, a violação da desigualdade de Bell não permite distinguir qual das hipóteses - realismo, localidade ou ambas - foi violada. Isto levou Anthony Leggett a propor, em 2003, uma desigualdade diferente, baseada apenas no realismo. Da mesma forma que as desigualdades de Bell, a violação desta desigualdade levantaria dúvidas sobre o realismo nas teorias de variáveis ocultas. A desigualdade de Leggett acabou de ser testada por uma equipe da Universidade de Viena, que constataram sua violação. Isto fornece suporte para a afirmação usual da mecânica quântica de que a realidade não existe enquanto não a observamos. A mecânica quântica é realmente um barato!

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